4.23.2009

“Por mais que eu fizesse, ficaria bem pago de tudo se me olhasse outra vez assim!"

Hoje é o Dia Internacional do Livro, e por isso:


“Voltou-se, viu Maria Eduarda diante de si. Foi como uma inesperada aparição - e vergou profundamente os ombros, menos a saudá-la, que a esconder a tumultuosa onda de sangue que sentia abrasar-lhe o rosto. Ela, com um vestido simples e justo de sarja preta, um colarinho direito de homem, um botão de rosa e duas folhas verdes no peito, alta e branca, sentou-se logo junto da mesa oval, acabando de desdobrar um pequeno lenço de renda. Obedecendo ao seu gesto risonho, Carlos pousou-se embaraçadamente à borda do sofá de repas. E depois dum instante de silêncio, que lhe pareceu profundo, quasi solene, a voz de Maria Eduarda ergueu-se, uma voz rica e lenta, dum tom de ouro que acariciava. Através do seu enleio, Carlos percebia vagamente que ela lhe agradecia os cuidados que ele tivera com Rosa: e, de cada vez que o seu olhar se demorava nela um instante mais, descobria logo um encanto novo e outra forma da sua perfeição. Os cabelos não eram louros, como julgara de longe à claridade do sol, mas de dois tons, castanho-claro e castanho-escuro, espessos e ondeando ligeiramente sobre a testa. Na grande luz escura dos seus olhos havia ao mesmo tempo alguma coisa de muito grave e de muito doce. Por um jeito familiar cruzava ás vezes, ao falar, as mãos sobre os joelhos. E através da manga justa de sarja, terminando num punho branco, ele sentia a beleza, a brancura, o macio, quasi o calor dos seus braços.”

in Os Maias, de Eça de Queirós

Sem comentários: