3.28.2009

tema para um bom filme (ou a minha versão de Les Uns Et Les Autres)

Hoje, no comboio da CP das 11h26 no Cacém com destino a Sintra.
Uma senhora, a Raquel, na casa dos 30 anos, de roupa formal, bem vestida, cabelo solto e bem arranjado, com madeixas subtis mais claras que o tom natural, óculos de sol de boa marca que agora não me recordo, a confirmar com a mãe ao telemóvel as horas a que passava por casa dela para a ir buscar: hoje é o seu aniversário dos 70 anos e não faz ideia que dentro de poucas horas vai ter a casa da filha cheia de gente reunida para a surpresa da sua vida, porque nunca lhe tinham feito nada assim. Era, aliás, precisamente para ir buscar as 40 camélias brancas (a flor preferida da mãe) que tinha encomendado numa pequena loja nos arredores de Sintra que conhece desde pequenina, que Raquel estava naquele comboio da CP das 11h26 no Cacém com destino a Sintra. Na fila de bancos ao lado ia o Sr. Fernando, a fazer um esforço sobre-humano para não adormecer, pois passou a noite acordado ao lado da irmã que foi internada de urgência no Hospital Amadora-Sintra com uma arritmia provocada pela miocardiopatia e que passou a noite em estado crítico mas estável . Ao pé da porta atrás dele estava Malu, de fato de treino, cabelo comprido apanhado, óculos de sol, ténis da Nike a roer o resto de verniz que lhe restava na unha do polegar, ansiosa por chegar ao cabeleireiro Korpo e Kabelo e dar a si mesma a lavagem de cabelo e brushing e tratamento total de manicure, incluindo unhas de gel - mimo do mês que não prescinde, ainda que o que ganha numa loja do chinês de uma rua algures na Amadora mal chegue ao final do mês. Depois, dois bancos a frente prestes a levantar-se para sair na próxima paragem estava a Dona Lúcia, que estava a voltar da Clínica de Sto. António onde passou a manhã inteira para fazer análises clínicas. Ao lado e em frente a ela estavam a Carolina de 8 anos e óculos graduados com flores cor de rosa nas hastes, com o seu boneco ao colo como se fosse um bebé de verdade e a mãe, que vinham da Loja do Cidadão onde foram fazer um BI para a Carolina para poderem viajar as duas para Paris ter com o seu pai que foi para lá viver há 3 meses para o escritório de Seguros do irmão. De frente, ao lado, estava a Joana, de 23 anos acabados de fazer, saltos da Colcci pendurados no dedos indicador e do meio, com uma maquilhagem, outrora perfeita, agora praticamente desaparecida salvo os borrões nas palpebras dos olhos, a voltar de uma noite que nem ela se lembrava muito bem. Em pé, ao pé da porta mais atrás estava um daqueles sujeitos cujo único nome que interessa chamar-lhe e anormal, dado o facto de ser um dos inúmeros indivíduos que julgam que toda a gente tem interesse no tipo de música que gosta de ouvir, e que para isso põe a música do seu telemóvel no máximo, não estivesse ele orgulhoso do seu exímio gosto musical. Ou então tem sérios problemas auditivos, o que duvido. Na outra ponta da carruagem, ao fundo, junto a janela, estava o Daniel, típico miúdo de 13 anos que se acha já uma pessoa grande, de mochila da Quicksilver imunda às costas, a sorrir para uma rapariga de 18 anos que estava sentada mais ou menos a meio da carruagem de frente para ele, com o pé direito em cima do banco vermelho à frente, a fazer o maior olhar de desprezo que conseguia esboçar nesse momento. Pena que os seus óculos de sol grandes da moda (de marca, não daqueles que se compram nos chineses e que estragam a vista as pessoas) não o deixassem ver isso. Essa rapariga era a Catarina, tinha o cabelo pelos ombros, escuro, despenteado devido a grande ventania que apanhou a caminho da estação e também em parte por ter saido à pressa de casa por causa da ansiedade que tinha ao pensar na possibilidade de encontrar o seu iPod no meio das cadeiras do auditório da Igreja de Rio de Mouro, onde esteve ontem a fotografar o grupo de teatro escolar Reticências no seu ensaio das 19h as 21h. Na sua cabeca, além de iPod pairavam apenas duas palavras começadas por F e M. E nao eram Flor ou Morango, eram palavras feias. Hipoteticamente, havia 50% de hipóteses de o iPod estar lá e de não estar. Não estava.




1 comentário:

ruimário disse...

Tenho pena pelo Ipod... espero que ainda possa haver música,apesar de. E música neste teatro escolar. Reticências